domingo, 21 de setembro de 2014

Ouro Fino do meu tempo

Escrito por Rutherford Leal em 1999 (Nascimento:14 de Maio de 1921/ Morte: 22 de Abril de 2000).
Transcrito pela filha Luciana Leal

Olhos de papai na história de Ouro Fino (MG). Transcrevo o que encontrei escrito com lápis em caderno guardado em um dos armários do quartinho do quintal. Quando encontrei chorei feito criança, tamanha saudades que senti daquele homem que Deus permitiu ter ao meu lado por 32 anos. Um exemplo de vida, íntegro, forte, trabalhador, alegre e amoroso.

Amo a lembrança de você, meu velho e querido pai! Saudades!


Luciana






PRIMEIRAS LEMBRANÇAS

As primeiras lembranças que tenho do início de minha existência giram em torno das ruas João Ribeiro e João Pessoa, depois da Senador Miranda Junior. Ali, num casarão antigo que depois serviu de morada do senhor João Nogueira (ficam atualmente a lotérica e escritórios de advocacia), moravam meus pais América Carpentieri e Arthur Lázaro Pereira Leal, este último um aventureiro e alegre nordestino de coração mineiro.





Foto acima: Meu pai Arthur. Tirada do filme feito por ele e auxiliada por meu tio Cyro e primo Brasílio Carpentieri.

Meu pai criava um casal de siriemas, que na minha inocência aos dois ou três anos, achava os animais mais estranhos possíveis. Os meus amiguinhos frequentavam nosso terreiro para ver aquelas aves, atiçá-las para que corressem atrás de nós. Formávamos então, uma algazarra tremenda fazendo com que a cozinheira, uma senhora robusta negra, saísse ao terreno para nos salvar.




A nossa gritaria perturbava meus pais em seus afazeres. Papai além da profissão de dentista e farmacêutico, tinha como hobbie a arte de fotografar e filmar, sendo na época um inovador, como um dos pioneiros na sétima arte, principalmente em fazer documentários. Por isto, um belo dia deu sumiço nas pobres aves. Creio que as deu para algum de seus amigos.

Lembro-me também de um senhor, que formava uma figura impressionante pela sua magreza e altura. Vestia-se com apuro e ali pelas 17 horas andava pelas calçadas, com as mãos entrelaçadas nas costas onde girava os dedões. Achava aqueles gestos engraçados. Esta caminhada durava até às 18 horas. Aquele senhor nos presenteava com balas. Era o dr. Gentil Cardoso, nosso juiz de Direito.

AVALANCHE DE LAMA

Naquela época, no período das chuvas de fim de ano, chovera torrencialmente e provocou uma avalanche de lama em direção a represa, causando o entupimento do sistema de fornecimento de água em toda a cidade. Ficamos sem água durante dias. Enquanto isto, os trabalhadores da prefeitura procediam a limpeza da represa e da adutora de água para o município

Os servidores providenciavam a limpeza das duas caixas d'água, que também ficaram cheias de lama. Mas, as residências continuavam sem a água. Foi a vez então dos bombeiros. A operação era executada por uma bomba de encher pneus, tendo na ponta da mangueira uma rosca de cano d'água e que se adaptava no cano da residência. Adaptada a bomba de pneu, o bombeiro bombeava ar para dentro do cano, que destruía o tampão de barro e a água jorrava para nossa alegria. Este serviço foi executado em nossa casa pelo senhor Chico Paiva, pai do Alberto Bueno.


EPITÁCIO PESSOA, FARMÁCIA, ODONTO E CINEMA

Papai, um paraibano festeiro, contava que para chegar em Ouro Fino (sul de Minas) antes passou pelo Rio de Janeiro (RJ). Era afilhado do político Epitácio Pessoa que o patrocinou para fazer medicina na capital carioca. Porém, durante a faculdade soube da existência da Faculdade de Odonto e Farmácia de Ouro Fino, que o impulsionou para o interior de Minas. Aqui, conheceu minha mãe e junto com a família dela se aventurou. 

Comprou um projetor de teatro na esquina de cima da Rodoviária (onde hoje é a casa do prefeito Maurício Lemes de Carvalho) e projetava filmes em preto e branco. Daí surgiu o amor pela Sétima Arte. 

Convidou Francisco de Almeida Fleming para filmar junto com ele, Cyro e Brasílio Carpentieri e percorreram a cidade registrando imagens das "senhorinhas", da Praça da Matriz, da Faculdade de Farmácia e Odontologia, da Revolução de 24, de reuniões do Pacto do Café com Leite, dos carnavais, como o de 1926. Em muitas filmagens eu ficava colado em papai.




ESTRADA DE FERRO MOGIANA

Durante a revolução de 1924 o Estado de Minas Gerais era ocupado por tropas transportadas pela Companhia Mogiana de Estrada de Ferro e Navegação (a R.M. Estrada de Ferro), que depois na década de 60 se tornaria Estrada de Ferro São Paulo e Minas.












FOTOS: (Algumas fotos após 1911 poderiam ser de Arthur Leal (pai de Rutherford) ou Cyro (tio) e Brasílio Carpentieri  (primo) que também fotografavam na época.) As três fotos anexadas acima são do acervo é de Wanderley Duck e de autoria desconhecida. Poderiam ser também de Emílio Peres, fotógrafo da época. Na primeira foto, provável é que seja a inauguração da ferrovia em 1896. 




Apesar de bem pequeno, lembro-me de meu pai, instalado com sua máquina filmadora de cinema, no paredão da rede mineira no fim da rua Miranda Junior e dali filmava as composições que passavam por Ouro Fino.

A estação ferroviária de Ouro Fino tinha movimento intenso de composições de carga que ficavam estacionadas no parque ferroviário entre quatro a cinco dezenas de vagões e uma locomotiva para manobras. 

Existia um viradouro de locomotivas na parte que corresponde aos fundos das residência do Rui Ferreia (ou Ferreira - pois não entendi a letra de papai quando transcrevi) e do lado direito um embarcadouro de gado e porcos. O de porcos tinha dois acessos. Um superior e outro interior. O vagão gaiola para porcos, cabritos ou ovelhas era dividido em dois pavimentos. O de gado só possuía um pavimento.

Os armazéns da estação eram divididos e tinham dois portões: um para embarque e desembarque de mercadorias e outro para a retirada das encomendas do comércio.

O sal e a cal vinham em vagões a granel. O seu transporte era feito por carroceiros, pois naquela época eram poucos os caminhões na cidade.

Na Rua Júlio Brandão existia o armazém do Sr Olímpio Marinho e enquanto os carroceiros transportavam a cal, a rua ficava branca no seu leito carroçante devido a cal que lá vazava morro acima.

Nos armazéns de grãos da estação, às vezes formavam pilhas de sacas e quando nós crianças burlávamos a vigilância dos funcionários, íamos brincar em cima das sacas. O serviço de proteção dos grãos era feito por cobras mussuranas que ficavam entre as sacas e quando nós topávamos com elas era aquela gritaria de medo.

(https://www.google.com.br/search?q=cobra+muçurana+ou+mussurana&sa=X&biw=1024&bih=677&tbm=isch&imgil=JObaeX3tINOioM%253A -)

A noite nós burlávamos a vigilância dos ferroviários e íamos brincar também no viradouro de locomotivas que era preso por pinos de ferros. Nós removíamos os pinos e então girávamos montados no viradouro. Os ferroviários vinham ver a nossa folia e nós fugíamos para o mato existente no que hoje é o Mercado Municipal.

Uma vez, o nosso amigo Chico, filho do Juiz de Direito, Dr. Alcides Pereira, ficou preso nos trilhos do viradouro e sofreu diversos talhos na coxa. Teve de ser levado ao hospital para curativos e pontos nas feridas. Depois deste dia acabou-se nossa folia no viradouro.

O Pacto do Café com Leite celebrado a partir de 1913 e que continuou durante a década de 20 também foi registrado por papai que fazia papel de repórter cinematográfico (tal qual os "abelhas" hoje em dia - porém naquela época o cinema era mudo -  só as imagens). 

Papai instalou a filmadora na saída de uma ponte da rodovia entre Ouro Fino e Inconfidentes e dali, registrava a passagem dos carros de políticos mineiros que vinham tomar parte da assinatura deste pacto que elegeu durante alguns anos os presidentes da República brasileira. Quem o realizou aqui em Ouro Fino foi o saudoso Bueno Brandão.

Ali, entre a rua Treze de Maio e o paredão da antiga R.M. Estrada de Ferro, entre a farmácia N.S. do Rosário e o sobrado do Gustavo Barbosa, existia uma casa de pau a pique e forro de palha de milho trancada, construída para dentro do alinhamento da rua Treze e abaixo do nível da rua, a residência de uma senhora negra e idosa, a Sá Bárbara e do outro lado o Rancho Fundo,  também uma casa semelhante. Era construída abaixo da rua uns três metros.

Neste terreno os moradores, todos afrodescendentes, fizeram uma limpeza de capim, aplanamento e alisamento de argila, e no meio de bananeiras prata realizavam gafieira que varava as noites de sábado e domingo. Eu costumava fugir de casa a noite e do barranco da rua assistia as embigadas que os moços daquela época frequentavam com as damas. Às vezes fugiam para o meio do mato onde namoravam. A iluminação era feita a base de lanternas de papeis de seda coloridos. O quentão corria durante as noites frias e virava a madrugada.

VISITA ITALIANA ILUSTRE

Lembro-me também de uma visita ilustre à cidade, em que a colônia italiana participou ativamente, programando recepção com foguetório e banda de música. Tratava-se (se não me falha a memória) de um marechale aviatore e que devia ter feito alguma travessia heroica para aquela época. 

O povo de Ouro Fino compareceu em massa e a recepção mais importante foi à noite na residência do senador Bueno Brandão. Recordo-me também que após as solenidades o povo local cantou uma paródia que dizia: "Marechale Cadorna Ha torna to aviatore; acabato a gasolina, mijato no matore". Os italianos ficavam fulos da vida para o gozo do povo.

*Ao ler este relato de papai, o jornalista, dramaturgo e também apaixonado pela história de Ouro Fino, Icaro Alba me relatou que possivelmente o marechal que visitou naquela época a cidade deveria ser Cadorna Luigi. Este foi hóspede na casa de Bueno Brandão, na déccada de 20, antes de 1928, pois neste ano faleceu na Itália - e depois de 1924, quando recebeu o título de marechal de Mussolini. Segundo Icaro Alba, ao ler "With Our Backs To The Wall" (Com as Costas contra a Parede) encontrou texto que descreve o marechal como terrível, tirano e mesmo assim tratado como heroi em Ouro Fino.

"Luigi Cadorna foi nomeado chefe do Estado Maior Geral do Exército italiano em julho de 1914, durante a trinta primeiros meses da primea grande guerra. Ele liderou guerra de ataque contra a Áustria; o resultado mais evidente destas operações foi a perda de 200.000 homens. Na primavera de 1917, esses eventos catastróficos causaram uma crise de derrotismo em toda a Itália, sobretudo no próprio exército. Chefe despótico e abusivo, ele aterrorizava seus oficiais com demissões incessantes, e punia qualquer enfraquecimento da tropa com a pena de morte. Ao negligenciar informações sobre o perigo e a proximidade da ofensiva militar austro-alemã, deixou surpreender o Segundo e terceiro exército. O Segundo se desfaz, sendo aniquilado. Este é o desastre de Caporetto: 40.000 morto ou feridos, 300 mil presos, metade da artilharia nas mãos do iimigo (outubro-novembro de 1917). O novo governo italiano (comandado pelo primeiro ministro italiano, Vittorio Emanuele Orlando) exigiu a demissão de Cadorna que foi substituído pelo general Armando Dias. Cadorna foi levado em 1918 para uma comissão de inquérito. Seu retiro militar foi amargo e dedicado a refutar as criticas de sua ação tirana e mortal durante a Primeira Guerra. Ao apoiar o fascismo de Mussolini, quando este sobe ao poder em 1924, volta a ação e é recompensado com o título de Marechal. Historiadores registam que Luigi Cadora foi um militar tirano, sem imaginação, que foi implacável com suas próprias tropas, desprezando as autoridades políticas do seu próprio país, a Itália. David Stevenson, professor de História Internacional na escola de Economia de Londres, descreve-o como ganhador do título "do mais opróbrio, insensível e incompetente dos comandantes da Primeira Guerra Mundial". Ele aarece como um oficial reservado, antiquado e aristocrático, da velha e ultrapassada escola piemontês.
Durante o curso da guerra, Cadorna demitiu 217 oficiais e durante a Batalha do Caporetto, ordenou a execução sumária de seus soldados e oficiais quando se retiravam de suas unidades. Um em cada dezessete soldados italianos sob sua liderança enfrentou uma acusação disciplinar durante a guerra, 61% foram considerados culpados. Alguns foram fuzilados sem julgamento. Cerca de 750 foram executados, o número mais alto em qualquer exército na Primeira Guerra Mundial. Foi afirmado que ele também introduziu a antiga prática romana de "dizimação", através da morte de um décimo dos homens da unidade que não conseguia realizar a vitória em uma batalha. O historriador militar John Keegan registra que ao fial sua "selvageria judicial" tornou a forma de as execuções sumáris até de retardatários individuais, eliminando sem escolher, destacamentos inteiros" .


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 ACIMA: Trem misto, provavelmente anos 1940, na linha de Sapucaí .www.estacoesferroviarias.com.br 


INVASÃO DE SÃO PAULO EM MINAS

Em 9 de julho de 1932 fomos acordados pelo Chico do Serafim, o motorista do Dr. Raul Apocalipse, que nos informava da invasão de São Paulo em Minas Gerais, e que Ouro Fino já estava ocupada pelas forças paulistas.

As famílias de Ouro Fino, aos poucos foram se aproximando dos revoltosos e descobriram que os soldados eram muito novos e inexperientes. A maioria estudantes de boas famílias. Descobriram que eles estavam sem alimentos desde à véspera da ocupação. As mulheres então correram para as casas e passaram bastante cafés e compravam pães para levar aos moços famintos. Foi uma festa. Beberam aquele café e comeram os pães como se estivessem num banquete de reis. Que recepção!

Meu pai temendo um combate dentro da cidade falou como o Azevedão (Antônio Milward de Azevedo) que ofereceu a sua fazenda para a família se abrigar. 

Logo após o meio dia, correu a notícia de que o coronel Apocalipse vinha com o 8º R.A.M (artilharia montada) de Pouso Alegre para expulsar os paulistas de Ouro Fino. Ai foi uma correria geral. Os caminhões cheios de soldados corriam para todos os lados. Montaram ninhos de metralhadoras e soldados espalhados por volta da estrada de ferro e nos morros. 

A estrada de ligação com Pouso Alegre por terra passava lá no alto, no estradão atrás do cemitério, que também ficou ocupada por soldados e metralhadoras.

No meio desta confusão toda, chegou na porta de nossa casa, um carroção puxado por quatro burros que o Azevedão havia mandado para levar a nossa família ao abrigo de sua fazenda que ficava na estrada de Santa Rita de Caldas. Carregamos o carroção com colchões, travesseiros e cobertores e tudo que pudesse nos ser úteis, e nos mandamos para lá. Ficamos por lá uns quatro dias e como não houve batalha, regressamos para casa.

As forças paulistas diante da demora do coronel Apocalipse em atacá-las resolveram continuar a invasão do Estado e partiram a tarde para Pouso Alegre.

O 8º Regimento de Artilharia Montada, quando do início da revolução estava guarnecendo a Serra da Mantiqueira e quando soube da invasão de Ouro Fino recebeu ordem de retornar a Pouso Alegre para defender a cidade. 

MASSACRE

O coronel Apocalipse numa manobra estratégica fez correr a notícia que vinha enfrentar os paulistas em Ouro Fino e com isto ganhou tempo para o regimento retornar a Pouso Alegre. Lá para a defesa da cidade, montou os canhões no alto de um morro, no bairro da Vendinha. Dali avistava-se a estrada de ferro e de rodagem em uma extensão de quilômetros. Dos dois lados das estradas existia um pântano enorme. Na encosta do morro espalhou os soldados para defender a bateria de canhões.

Mais ou menos, pelas 20h30 ou 21 horas surgiram as forças revolucionárias naquele retão de estrada. Quando as tropas se aproximavam do morro da Vendinha, os canhões começaram a despejar chumbo e fogo sobre aqueles rapazes que nunca tinham estado em uma batalha. Com os faróis dos caminhões eles eram alvos perfeitos. No desespero daquele inferno de fogo e fumaça os jovens soldados corriam para a escuridão e para a surpresa deles aquilo era um pântano e eles iam afundando e morrendo no meio do lamaçal.

Os soldados que retornaram como puderam para Ouro Fino contaram chorando que ouviram seus amigos chamando por socorro no meio da escuridão e eles não podendo salvá-los. Foi uma tragédia sem par.

Os caminhões retornavam todos cobertos por lonas, mas a gente podia ver às vezes um braço ou perna balançando. As locomotivas voltaram com as composições com as janelas fechadas e passaram diretas, sem parar, em direção a São Paulo.

Passaram-se alguns dias e ai começaram a chegar as forças legalistas: mineiras, baianas, sergipanas, alagoanas, pernambucanas etc. Cada tropa tinha alguma particularidade. A sergipana e alagoana diziam que quando atacavam o inimigo faziam um alarido tremendo. Os baianos atacavam a trincheira de peito aberto, com a peixeira presa na boca. 

Os gaúchos levavam uma peixeira enorme e quando chegavam na trincheira inimiga iam brandindo aquele facão enorme e afiadíssimo e eram mãos, braços e cabeças que voavam.

Lembro-me da tropa baiana, que deviam ser uns quatrocentos homens e ficaram reduzidos a uns trinta somente. Vieram para Ouro Fino e ficaram acantonados na parte inferior do sobrado velho da Tereza Marcílio. Era época do frio e eles saiam e sentavam-se a beira do passeio e de vez em quando diziam: "oh sol desmoralizado".

Uma manhã, eram sete horas, mais ou menos, bateram no portão de madeira de casa. Eu já estava de pé e fui atender. Era um carroceiro conhecido que perguntou pelo meu pai. Ele está dormindo, o que você quer perguntei. E ele respondeu que havia chegado um batalhão naquela manhã e um sargento perguntou por meu pai. Corri para acordar papai que se arrumou depressa e foi até a estação. 

Quando regressou veio acompanhado de um sargento que era a mesma cara dele só que mais baixo. Trazia um violão atravessado no ombro e muito alegre e brincalhão. Era o tio Severino Leal, seu irmão caçula. O batalhão era o 11RI e seu comandante era o capitão Baia que naquele dia mesmo trouxe-o para conhecer meu pai. Desse dia em diante, nossa casa se transformou no comando do 11 R.I..

O comandante Baia almoçava em casa com alguns oficiais e meu tio trazia os soldados músicos e no terreiro ficavam cantando as músicas da moda. O 11 RI ficou parado em Ouro Fino porque os paulistas construíram uma trincheira de cimento armado em Eleutério que levou alguns dias para ser rompida. Depois o batalhão foi para Itapira e de lá para Campinas (SP) quando terminou a revolução.

Quando o 11 R.I. esteve em Itapira (SP) o capitão Baia apreendeu um Ford 29 e trouxe para que meu pai guardasse para ele.
Terminada a revolução o 11 RI voltou para Juiz de Fora e do capitão Baia não tivemos mais notícias. 

UM CALHAMBEQUE ESTRANHO NA GARAGEM

Um dia, em 1935 meu primo, Carmelo Carpentieri, irmão do João Carpentieri, vendo o carro na garagem pediu emprestado para uma caçada. Meu pai argumentou que o carro pertencia a um militar e ele não queria assumir o risco de algum dano no veículo. Tanto fez que  meu primo levou o carro ao posto do Valdemar Bailoni. E lá ele reconheceu o carro e disse que era do dr Vieira de Itapira. Alertou que tinha aviso da polícia tentando encontrá-lo. Passado uns dias apareceu em nossa casa o Dr. Vieira acompanhado da polícia e levou de volta o seu carro.

Enquanto durou a revolução nós, os meninos de Ouro Fino, fazíamos plantão na estação ferroviária para assistir a passagem das forças legalistas. Soldados da infantaria, artilharia com seus canhões, tanques de combates, metralhadoras e toda a variedade de armamentos.

Os soldados das portas dos vagões jogavam maços de cigarros, pentes de balas de fuzil, de fuzil de metralhadoras. Os pentes de balas de fuzil possuíam 15 balas de pontão redondas e o de metralhadoras 30 balas também de pontas redondas. O pende de balas de fuzil era formado por 5 balas pontiagudas. Jogavam uns protetores da ponta do cano de fuzil também.

Durante a revolução eu e meu mano mais velho, o Clayton, juntamos dois caixões de madeira de maços de cigarro de diversas marcas. Tínhamos também um caixão cheio de balas de fuzil e metralhadoras.

Para as balas logo encontramos uma utilidade: removíamos o projétil do estojo e nele soldávamos uma pequena lâmina de aço e a bala se transformava em um pequeno canivete.

Em 1940 meu pai descobriu nosso arsenal e mandou entregá-lo ao sargento comandante do tiro de guerra local. Os cigarros foram distribuídos para os fumantes mais pobres da cidade.

*OBSERVEM A REPORTAGEM DO JORNAL ESTADO DE MINAS SOBRE A REVOLUÇÃO (retirada da internet em 08/03/2016): 

"Sul de Minas no meio do fogo cruzado da história do Estado"

http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/07/07/interna_gerais,304760/sul-de-minas-no-meio-do-fogo-cruzado-da-historia-do-estado.shtml


Moradores de Ouro Fino, Pouso Alegre e Jacutinga assistiram de perto ao confronto entre paulistas e tropas federais há 80 anos durante a Revolução Constitucionalista

Postado em 07/07/2012 06:00 / atualizado em 07/07/2012 07:54

Fotos: Arquivo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo
A calmaria das pequenas cidades do Sul de Minas deu lugar ao vai e vem de tropas militares e o barulho de metralhadoras passou a ser incômodo constante para os moradores que estavam acostumados com o ambiente de paz do interior. Há 80 anos, quando paulistas começaram a se movimentar e tentaram mostrar força ao governo federal por meio do movimento que ficou conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932, os mineiros assistiram de perto aos violentos confrontos entre batalhões de várias partes do Brasil. Os municípios de Ouro Fino, Pouso Alegre e Jacutinga ficaram bem no meio de uma disputa que misturou patriotismo e ideais de liberdade entre soldados que saíram de São Paulo para lutar contra a interferência federal no estado e tropas que buscavam encerrar um movimento que poderia dividir o país.

A escolha oficial do governo de Minas, ao se confirmar que o impasse não se resolveria por meio das conversas e seria levado para os campos de batalhas, foi adotar uma postura de neutralidade. No entanto, aqueles que viram as disputas bem perto de suas casas não tiveram como ficar de fora e foram obrigados a participar de um lado ou de outro. Em Ouro Fino, a movimentação de tropas começou com a chegada dos paulistas, que buscavam reforçar pontos estratégicos nas fronteiras para impedir que o exército legalista avançasse no estado. A resposta das tropas federais não demorou e, no fim do mês, soldados de batalhões baianos e pernambucanos que vieram para conter a revolução já estavam acampados na cidade.

“Em 13 de julho, quando os paulistas marcharam por Ouro Fino, a cidade ficou extremamente movimentada e dividida. Aqueles que apoiaram os paulistas passaram a atuar de forma velada, escondendo soldados feridos em suas casas e, quem tinha automóvel ou armas, guardava tudo para que o governo federal não pedisse para usar nos confrontos. No entanto, muitas pessoas também temiam a ação dos soldados paulistas, já que rumores diziam que outras cidades estavam sendo atacadas quando eles chegavam de trem”, explica Maria Romilda Gomes Rodrigues, historiadora e coordenadora do Departamento de Cultura de Ouro Fino.

Canhões e trincheiras Em Pouso Alegre, cidade do Sul de Minas considerada estratégica para a mobilidade ferroviária, as tropas legalistas que estavam se concentrando na região bateram de frente com os revolucionários paulistas. Os tradicionais bairros do município, Vendinha (hoje Bairro São João), Cruzes e São Geraldo, viraram palco para o enfrentamento. Entrincheirados em pontos estratégicos e com canhões e metralhadoras posicionadas, as tropas de Getúlio Vargas massacraram os paulistas em combate. O resultado de uma noite de conflito em Pouso Alegre foi 12 mortes, sendo apenas uma do lado dos legalistas, e mais de 20 feridos que foram levados presos para Caxambu e depois para o Rio de Janeiro.

Os mortos foram sepultados no dia seguinte na cidade mineira recebendo a bênção do bispo de Pouso Alegre, dom Octávio Chagas de Miranda. Como não se sabiam os nomes dos soldados paulistas, o então prefeito João Beraldo determinou que fossem todos fotografados e numerados para que pudessem ser identificados quando o conflito acabasse. Alguns anos mais tarde, os corpos foram exumados e levados para São Paulo a pedido de familiares. Muitas das armas, canhões e equipamentos usados nas batalhas que aconteceram na região estão expostos no Museu Histórico Municipal de Pouso Alegre.

Fotos: Arquivo Museu Histórico Municipal Tuany Toledo
“Uma das reclamações constantes de antigos moradores da região que aparece nos documentos da época diz respeito ao barulho de metralhadoras. Só com o fim do conflito ficaram sabendo que o ruído vinha de um aparelho chamado matraca, criado pelos paulistas para reproduzir o som das metralhadoras e intimidar as tropas federais. Os municípios da região, por estarem tão próximos dos paulistas e ao mesmo tempo estarem ao lado das forças nacionais, passaram meses de muita apreensão, com a guerra batendo em suas portas”, explica a historiadora.

Isolados economicamente e sem apoio de outros estados, em outubro de 1932 – três meses depois do início das batalhas – os paulistas anunciaram a rendição. Getúlio Vargas nomeia um interventor paulista para o estado e no ano seguinte convoca eleições para a formação da Assembleia Constituinte. Segundo as estimativas oficiais, a Revolução de 1932 terminou com 624 mortes, sendo a grande maioria de soldados paulistas.


LINHA DO TEMPO
– 1930: Getúlio Vargas chega ao poder em movimento que depôs Washington Luís, do Partido Republicano Paulista. Termina a 1º República
– 1931: Partidos paulistas se unem formando a Frente Única Paulista, que passa a reivindicar autonomia administrativa para o estado e articular o movimento contra o governo federal
– 1932: No dia 9 de julho começa a rebelião armada que marca o início da Revolução Constitucionalista. Quatro dias depois de declarada a revolta contra o governo de Vargas, paulistas marcham pelo município mineiro de Ouro Fino
– 1932: Em outubro, sem apoio de outros estados e força para continuar o conflito, os paulistas anunciam a rendição
– 1934: Promulgada a nova Constituição. A mobilização dos constitucionalistas serviu como forma de pressionar Vargas a convocar a Assembleia Constituinte que elaborou a nova Carta Magna do país
– 1937: Anunciando a existência de uma tentativa de golpe comunista, Vargas anula a eleição presidencial e dissolve o poder legislativo. Início do Estado Novo.


SAIBA MAIS
O início do conflito
A insurreição contrária ao novo quadro político que se instalou no Brasil após a Revolução de 1930 começou em São Paulo. Integrantes da elite local que se beneficiavam do sistema político da Primeira República queriam reaver o domínio e passaram a se mobilizar contra o governo de Getúlio Vargas. A demora do governo provisório em convocar a Assembleia Constituinte, grupo de parlamentares que criaria uma nova constituição para o país, gerou muita insatisfação entre os paulistas que passaram a levar as reivindicações para as ruas. Em maio de 1932, durante a realização de um ato político no centro da capital, a polícia reprime duramente o manifestação, ocasionando a morte de quatro jovens. O movimento revoltoso passou a se chamar MMDC – Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo – em homenagem aos jovens que morreram e ganhou apoio de vários setores da sociedade civil paulista. Em julho teve início a rebelião armada dos paulistas contra as tropas do governo federal. 




CAMPO DO CAVACO

Ali na esquina da rua Treze de Maio com a rua Prefeito José Serra existia um casarão velho, estilo colonial, era a residência da velha China e vizinho a ela morava o Sebastião China, num chalé alto de um barranco e que possuía nos fundos um barracão que era a sua oficina de carpinteiro. Ao lado, descendo a rua, um terreno baldio no qual o China jogava todo o cavaco e serragem de sua oficina. 

Os moleques daquela época espalhavam por todo o terreno a serragem e batizamos o campo do cavaco. Jogava-se futebol e fazia-se folguedos de crianças de toda a sorte. Era um campo de lazer em que passávamos o dia inteiro ali.

O Sebastião China aproveitava os retalhos da madeira e fazia com elas umas rodas os quais vendia a 200 reis o par. Ele nos dava também uns pedaços de caibros que pregávamos em uma tábua de caixão. Nestes caibros nós adaptávamos as rodas de madeira, sendo que o eixo da frente era móvel. Estava pronto um carrinho. Nos protegíamos as rodas com tiras de pneus. Assim o carro ficava macio e durável. Qual criança faria isto nos dias atuais?

            
 (NCS-115- VISTA PARCIAL DA CIDADE DE OURO FINO (MG) - AUGUSTO SOUCASSEAUX)


ROLIMÃ NAS LADEIRAS

Ouro Fino era e é uma cidade cheia de ladeiras. Nelas fazíamos exibições e corridas de carros em ruas de terra. Como naquela época tinha poucos automóveis e caminhões, as ladeiras nos pertenciam de forma quase exclusiva nos campeonatos. Apostávamos corridas e nos divertíamos.

Alguns meninos mais abusados faziam carros com rodas de 30 a 40 centímetros de diâmetro e estes carros desenvolviam velocidades vertiginosas. Para segurar estes carros, eram adaptadas tábuas que serviam de freio das rodas traseiras.

Na época da seca, no inverno tínhamos geadas e os campos ficavam com a grama queimada e muito escorregadias. Então nós aproveitávamos esta particularidade da região para outra modalidade de diversão. O que não faltava para nós eram as tábuas, pois toda mercadoria que vinha para o comércio estava acondicionada em caixões de todos os tamanhos.

Arranjávamos uma tábua de aproximadamente 80 centímetros por 30. Numa das pontas, com um facão íamos cortando a quina da tábua.

Do outro lado da quina, era pregada uma ripa para que apoiássemos o calcanhar. Do lado da quina, por todo o comprimento da tábua, era utilizada um lixa grossa para deixar a tábua bem lisa. Depois com sebo de boi derretido, era completado o alisamento da superfície da tábua que entrava em contato com o capim.

Depois de tudo pronto, a meninada subia o morro do Cruzeiro e de lá descia deslizando em alta velocidade. A gente conseguia desenvolver acredito que uns 60 km/h. Era uma delícia!

Outro carrinho muito usado, mas que a polícia procurava proibir era o de rolimã. Este rodava nos passeios e os proprietários das casas alegavam que o rolimã quebrava o cimento e estragava as calçadas.

O patinete de rodas de madeira também era feito por nós, bem como as pernas de pau. Estas constavam de duas varas de madeira de uns dois metros de comprimento cada e com duas latas vazias de óleo de azeite ou de massa de tomate pregadas a uns 50 centímetros em cada vara. Subíamos nas latas e segurando nas varas saíamos pela cidade.

ALEGRIA DA GAROTADA

Entre as ruas Senador Júlio Brandão e a Prefeito José Serra, na rua Miranda Junior era nosso recanto de jogar futebol de rua e folguedos infantis. Além do futebol praticávamos o pula selas, folias de roda, jogo de bolinhas de gude, jogo e lançamentos de piões, casamento chinês e outros. Estas brincadeiras duravam até às 22h. Depois todos seguiam para suas casas.

Na praça Paulino Paulini (Praça da Baronesa) no final da Rua Marechal Deodoro ou avenida velha como também é conhecida, localizava-se o  atelier do Sr. Emílio Peres, fotógrafo daquela época.

Nos fundos da casa dele um morro que se alongava até o início da Rua Marechal. No alto deste morro por artifício da natureza um campo de futebol com quatro cupins que formavam os gols. Quando chegava a estação da seca, fazíamos também torneios de futebol com outros times da cidade.

JOGO DO BETI

Outra distração era o "Jogo do Beti" que consistia de duas casas de pauzinhos que ficavam armadas a uns 15 metros de distância e que eram defendidas por um rebatedor de frente de cada uma delas. Os jogadores contrários ficavam cada um atrás de uma casinha. O jogo principiava com o arremesso de uma pequena bola de borracha para queimar e derrubar a casinha apostada. 

O rebatedor procurava acertar a bola lançando-a à distância. Enquanto isto o lançador daquele lado corria para pegar a bola os rebatedores saiam de seu lado e corriam para o lado oposto e batendo com o  bete no chão por uma vez. A cada ida e volta dos batedores contava-se um ponto. O lançador por sua vez tentava derrubar a casinha antes que a dupla adversária completasse um giro. Se isto ocorresse as duplas trocavam de posição.

O rebatedor passava a ser lançador e vice versa.  O importante também era que o rebatedor tinha que dar uma pancada no chão, após cada jogada. Se o batedor esquecesse deste pormenor, o lançador poderia queimar a casinha e as duplas mudavam de função. A partida terminava com a contagem de 20 ou 25 pontos para os vencedores.

SURRÃO

O  pular cordas era uma brincadeira entre meninos e meninas. Havia o pulo lento e o "surrão". Na batida lenta a gente ia pulando e todos contávamos os pulos dados em campeonato de quem pulava mais. Se houvesse empate a disputa passava para o "surrão", batendo bem rápido.

AMERINHA

Havia também a amarelinha. Constava de seis casas e no final o céu. Riscadas nos passeios em quadrados, só o céu era em formato de meio círculo. Jogávamos um pedaço de caco de telha de casa em casa em sequência de números e tínhamos de pular com uma perna só evitando o quadrado onde o caco caía. Isto seguia até chegar no céu.

ORDEM SEM LUGAR

Outra brincadeira era  o "Ordem sem lugar". Com uma bola de meio tamanho, próximo a uma parede, ia-se arremessando  a bola e ao mesmo tempo repetindo as palavras : "ordem seu lugar, sem rir, sem falar, num pé, no outro, palmas, piruetas, rezando e pra frente e pra trás, fim. O jogador tinha que seguir estes comandos.

BOCA NO FORNO

Tinha também o "Boca no forno" com diversos meninos e meninas que obedeciam os comandos do mestre que dizia: "Boca no forno". Respondíamos: "Forno". "Fazei o que o mestre mandar":"faremos todos". "E se não fizer?" "levaremos um bolo". E o mestre então dava a tarefa a ser executada. Todos corriam para executá-la o mais rápido possível.  Quem não conseguia levava uma pancada na mão (o bolo).

SEU LOBO

O "Seu Lobo" era uma brincadeira com cantiga . Era o seguinte: meninos e meninas passeavam de braços dados em vários casais, cantando: "fomos passear na floresta, enquanto o seu lobo ser veste. Seu lobo está pronto? Seu lobo está pronto? Um voz respondia: Ele está no banho. Os casais voltavam a passear cantando. Depois perguntavam novamente e ouviam: "Ele está se vestindo". Repetia-se tudo até a resposta ser: "Está pronto e vai comer você!" O lobo saia do lugar onde estava escondido e corria atrás deles. O casal que era apanhado saia e a brincadeira continuava até o último casal. 

Também tinha a brincadeira de rodas com várias cantigas.

PAULINIS E O POMAR

Na rua Senador Miranda Junior, no quarteirão de nossos folguedos, existia a residência do Sr. Francisco Paulini e da Dona Adélia que tinha um filho, o Li Paulini. Este menino era muito mimado pela mãe, ao ponto de não deixá-lo brincar conosco. 

A propriedade dos Paulinis era cercada por um muro muito alto e o muro desse lado era baixo. O pobre do Li passava os dias sentado no alto do muro assistindo nossas brincadeiras. Quando algum menino o convidava para brincar conosco ele respondia aos berros, quase chorando e dona Adélia, muito delicadamente, pedia para que nós não incomodássemos seu filho. 

Na hora das refeições, sua mãe e a cozinheira precisavam fazer graça, imitar tios, animais e coisas mais para que ele se alimentasse.  Um dia, Maria Paulino, sua cozinheira, disse a Dona Adélia: "Dr. Arthur (meu pai) tem um filho muito bom e quieto que come direitinho... o seu Ruther. Por quê a senhora não pede para ele vir comer com o Li?" Essa Maria  já tinha sido nossa cozinheira. Meu pai foi procurado por Dona Adélia e a partir daí passei a comer e brincar na casa dela, para ajudar o Li. 

Foi um convite caído dos céus. O terreno deles era um imenso pomar, com fruteiras de dar água na boca dos meninos daquela rua. Ele era um menino cheio de mimos e  mandão, o que eu fui modificando lentamente com nossa amizade. Nosso primeiro almoço juntos foi engraçado. Ele sentado numa cadeira construída especialmente para a refeição e eu numa cadeira convencional. 

A Maria me fez um prato especial. Colocou de tudo que tinha na mesa e eu comecei a me esbaldar. Com um prato menor e as duas fazendo aquelas graças e mímicas para que ele comece. Mas o Li não queria comer, preocupado comigo que estava comento tudo. Elas então diziam: come você também, senão o Ruther come tudo sozinho. 

Para encurtar a história, depois de uma semana, ele estava comendo sozinho e segurando a colher. Acabara aquele enjoamento. Depois do almoço, íamos atacar as fruteiras. Lá eu conheci três variedades de uvas: pretas, brancas e umas miúdas em cachos de dois palmos. Essa uva não era chupada e sim mastigada. Uma delícia! Araças, carambolas, tangerinas, mexericas, laranjas celestes etc etc.

Frequentei a casa do Li durante uns dois anos. Chegamos mesmo a montar uma fábrica de papagaios. Ele comprava o papel manteiga de cor, eu trazia o bambu para fazermos as varetas e a Maria cozinhava o gude de polvilho. As folhas de papal manteiga custavam 200 reis e dava para fazer três papagaios que vendíamos por 200 reis cada um. O lucro era dividido. 

BOLINHAS DE GUDE, CRIME DO AÇUDE E A PRIMEIRA PISCINA DE OURO FINO

Fazia parte de nossa turma de meninos o Hélio Davini, filho do barbeiro Hameleto e neto do padeiro Aurélio Davini que residia na esquina de nossa rua. Costumávamos brincar e jogar bolinhas de gude no terreiro da padaria. Trabalhava na padaria do avô do Hélio, um mocinho de uns 15 anos cujo apelido era Baianinho. 

O pai dela, um baiano que aparecera na cidade se arrastando pelas ruas, sofria de artrite deformante que o impedia de trabalhar. Vivia pedindo esmolas para o povo da cidade. O filho dele era cheio de problemas também e revoltado com a doença do pai. Dificilmente fazia amizades. 

Um dia estávamos jogando bolinha de gude e o Baianinho apareceu e disse se poderia jogar conosco. O Hélio disse que ele era muito grande e além disto empregado do avô dele. Ai o Baianinho pisou nas bolinhas e disse que ali nós não jogávamos mais. O Hélio ficou bravo e falou que o pai do Baianinho era "leproso" e que poderia nos passar a doença se ele jogasse conosco. O Baianinho retrucou e prometeu se vingar. Fomos terminar o jogo na rua e esquecemos o incidente.

Naquela época não tínhamos onde nadar, mas "quebrávamos o galho", como se diz, ao nadar no Ribeirão da cidade ou no açude da chácara do João Ribeiro. 

Em 1933 foi inaugurada a primeira piscina de Ouro Fino ali na passagem da ponte que leva a chácara do João Ribeiro. Era um tanque enorme, de 30 metros por 15 metros, de cimento e pedras e que era alimentado por um ribeiro que abastecia a serraria e o mojolo da chácara. 

Foi num sábado a inauguração. O povo todo compareceu para conhecer a obra. A  noitinha uma família de trabalhadores que vinha para o comércio no domingo, no Mercado Municipal a passar pelo açude viu um monte de roupas de crianças e ao chegar na cidade comunicou o fato ao delegado de polícia, que era meu primo Cyro Carpentieri, que mandou a polícia recolher aquelas roupas. Mais tarde, meu primo compareceu no bar do seu tio Antonio Carpentieri que era nosso vizinho. 

Estava presente o Hameleto Davine que disse que seu filho Hélio saíra cedo de casa e ele estava muito preocupado. O Cyro convidou-o a ir até a delegacia para ver se a roupa encontrada pertencia ao filho dele que a reconheceu. Ai foi aquele alvoroço na cidade. O povo todo foi para o açude inclusive os automóveis para iluminar as águas. Os melhores nadadores se atiraram no açude a procurar o garoto. Ali pelas duas da madrugada resolveram arrebentar a represa para escoar a água. 

Ao amanhecer apareceu na parte mais funda o corpo do Hélio.No velório, pelo nariz do coitado escorria sangue constantemente, numa prova de que ele havia sido espancado.

No decorrer do inquérito, nós lembramos da ameaça do Baianinho e contamos para nosso pai, que por sua vez contou o fato ao Ciro e ele mandou prendê-lo.

Na delegacia ele não aguentou o interrogatório e contou toda a história. Disse ele que no dia da inauguração da piscina, encontrou-se com o Hélio e o convidou para banhar-se na piscina. Hélio respondeu que gostaria, mas não tinha dinheiro para pagar a entrada. "Então vamos no açude e lá não precisamos pagar". 

O Hélio aceitou o convite. Depois de tirarem as roupas, o Baianinho perguntou: "Você se lembra quando me chamou de leproso?" Hélio respondeu: Eu não falei de verdade, estava brincando". E Baianinho disse:" Pois agora você vai morrer como eu prometi!"
E deu uma surra no coitado. Quando estava desfalecido, pegou o Hélio e o jogou na parte mais funda do açude. Voltou e foi assistir a festa na piscina.

Depois desta confissão o Baianinho foi enviado ao Reformatório de Menores em Belo Horizonte e nunca mais tivemos notícias dele.

POMARES

Na residência do Senador Júlio Bueno Brandão (onde é a casa do Pacto do Café com Leite) existia um soberbo pomar. Tinha frutas deliciosas e na época da Jabuticaba então, era o máximo. Nós nos fartávamos chupando-as. O senador para acabar com nossas excursões  colocou um pastor alemão que era uma fera para guardar o quintal. Nós ficávamos em cima do muro, namorando as frutas e sem podermos mas usufruir delas.

Um dia tivemos uma ideia luminosa, aliás duas: Primeiro com um formão de ferro, removíamos os rebocos do muro e os tijolos. Depois por este buraco introduzíamos uma cadela viciada e, enquanto o pastor ficava namorando a cadela, nós subíamos nas fruteiras no enchíamos de frutos. 

Quando já satisfeitos, fechávamos o buraco no muro. O senador não conseguia entender como é que aparecia tantas cadelas no cio no pomar dele.

Lá no começo da avenida dos Capuchinhos, fazendo divisa com o Colégio Brasil existia uma casa que era a residência do sr. Alcino Bretas, coletor estadual. A propriedade dele, de uns 50 a 60 metros de frente e uns 200 metros  de profundidade, em que ele plantou uma centena de fruteiras. Havia quase de tudo. Laranjas de diversas qualidades, tangerinas, mexericas, limas, limas de bico, limões doce, limões galegos, mangas, pêssegos etc. 

Para proteger o pomar, foram plantadas variedades de limão trepadeira, que eram dotados uma infinidade de espinhos resistentes e duros, uma cerca viva intransponível.

O pomar era na encosta do morro e lá de sua casa podia-se ver toda a propriedade que era vigiada por um zelador com uma espingarda de carregar pela boca com chumbo mostarda, muito fino.

Nós os alunos internos ou externos do Colégio, nas folgas das aulas íamos para o pomar do sr. Alcino. Carregávamos canivetes bem afiados e começávamos por abrir uma passagem na cerca viva. Um colega ficava trepado em cima de uma árvore e observava a casa do zelador. Quando o homem aparecia nós disfarçávamos o buraco na cerca e escondíamos.  Depois que ele regressava para a casa dele, nós voltávamos ao buraco da cerca e continuávamos até terminá-lo.

No dia seguinte voltávamos para a colheita. O processo era o mesmo: um subia na árvore para proteger o grupo enquanto o resto entrava pelos buracos na cerca e aí era só apanhar os frutos.

Uma vez o zelador chegou muito perto, mas não conseguiu apanhar os alunos mas viu a cara de diversos deles. O zelador foi denunciar o fato ao Dr Raul Apocalipse, que era o diretor do Colégio.

Depois de consultar que o terceiro ano ginasial era o que estava em folga naquele horário levou a classe em formação para o zelador apontar os alunos que estavam no pomar. Ao chegar em frente ao Francisco Apocalipse, foi reconhecido com a afirmação: um deles foi este. O dr Raul não pestanejou. Deu um tapa no pé do ouvido de Francisco e tirando o cinto, foi batendo nele até o interior da residência dele. O terceiro ano ficou suspenso por três dias. Mesmo assim, continuamos a atacar o pomar do sr. Alcino Bretas.

Outro pomar que costumávamos atacar era o do sr. Fontes, que ficava numa das esquinas da Rua Prefeito José Serra, uma casa repartida que tinha de um lado o Salão do Clube 13. Do outro lado era a sua residência e possuía um terreno largo e grande nos fundos. Ali estavam plantadas uma infinidade de fruteiras como laranjas, mexericas, tangerinas, pereiras, jabuticabeiras etc. Ao lado era a residência do sr. Olímpio de Carvalho e seus filhos Nivaldo e Benedito de nossa idade e que cooperavam com a nossa molecagem.

Quando o sr. fontes percebia que o seu pomar estava sendo atacado pelos moleques, saia de casa com uma garrucha em mãos gritando:"Espera ai seus moleques que eu vou dar uma lição em vocês". Nesse momento era um corre e corre e a gente pulava qualquer muro para se esconder daquela fera. Quando ele se acalmava e retornava para a casa, nós voltávamos a atacar as fruteiras e isso se repetia duas ou três vezes ao dia.

Hoje eu sei que o sr. Fontes não ia nos maltratar, mas levávamos cada susto e isto nos divertia também.

BRIGA DE GRUPOS RIVAIS

Ouro Fino como todas as cidade do interior do Brasil, tinha uma série de costumes e de folguedos, como também brincadeiras com o brincar de pique, de caubói, de mocinho e mocinha, mas existia uma que era muito grave e caso de polícia; eram os grupos rivais.

Existia um do do bairro da Cata e da Vargem, a do Paco, um filho de espanhóis que moravam no começo da rua Treze de Maio. Mas a pior turma era a do Bairro do Alto. 

Esta quando fazia um prisioneiro, levava o coitado à noite e o deixava amarrado em um túmulo no Cemitério Municipal. O coitado quase morria de terror. Só era libertado pelos parentes ou pela polícia. E geralmente quando isto ocorria o infeliz da vez sempre estava sujo e molhado de tanto pavor.

Uma noite estávamos brincando na rua Miranda Junior quando apareceu o Bruno Megale com um saco de estopa nas costas, dizendo que a quadrilha do Paco ia nos atacar naquela noite e ameaçava entregar os prisioneiros para a turma do Alto. Ele vinha acompanhado de uns vinte moleques e pedia a nossa ajuda para resistir ao Paco.

Nós respondemos que sim, mas que não tínhamos o estilingue que era a arma dos grupos. Ele virou o saco de estopa na calçada e apareceram centenas de estilingues para escolhermos os melhores. Pegamos o da nossa escolha e enchemos os bolsos com pedras para o combate. 

Quando penetramos na rua Treze de Maio em direção ao reduto da quadrilha do Paco, apareceu a polícia militar que dispersou todo o grupo. O Bruno fugiu gritando para a turma encontrar-se na casa dele. Lá chegando entregamos os estilingues e limpamos os bolsos, mas marcamos novo encontro para a outra noite.

Fui correndo para casa, pois a polícia estava patrulhando a cidade. Meu pai estava na sala conversando com meus tios e mandou-me a Miguel Carpentieri comprar um maço de cigarros Jóquei Clube. Sai correndo novamente e ao chegar  na esquina da casa da China Velha, fui cercado por uma centena de moleques da turma do Paco.

Eles me pegaram pelos braços e me levaram para o seu chefe, o Paco, é claro. Cheguei apavorado e fingindo que chorava. Perguntou-me o que eu estava fazendo na rua. Eu tentei explicar que ia comprar um maço de cigarros para meu pai. Ele mandou que dessem uma revista em mim e se eu tivesse areia nos bolsos era porque eu era do grupo da Estação. 

Foi neste momento que apareceu um moleque magro e espigado, o Caio Goiás (ou Gaios, Goios) que afirmou que eu era um menino muito bom, filho do Dr. Arthur Leal e que não pertencia a quadrilha nenhuma.

Fui solto e mandado para a casa depois de comprar os cigarros com a ameaça de que se fosse encontrado nas ruas iria dormir no cemitério.

Aquele menino, o Caio, depois apanhou uma doença grave e veio a falecer. Poderíamos ter sido grandes amigos. Fiquei devendo esta a ele.

Outra quadrilha que inspirava respeito era o da Avenida Delfim Moreira, chefiada pelo Carlito Miotto, filho do Sr. Emilio Miotto dono bar e do cabaret da zona de meretrício. Esta quadrilha tinha o seu reduto no alto do morro do sr. Emílio Peres e de uma faixa do morro do Sr. Cadan que fazia encosta com a faixa hoje  da avenida Perimetral. 

Do alto destes morros dominavam a Praça do Café, hoje Paulino Paulini e da antiga via férrea e começo da Rua Treze. As outras quadrilhas respeitavam esta turma formada por uns 15 moleques e marmanjos e que tinha como arma terrível canhões de metade de câmaras de ar de automóveis presos em ganchos de árvores e que chegavam a lançar até meio tijolos à grandes distâncias.

As batalhas eram noturnas e até a polícia temia intervir, evitando levar  uma tijolada na cabeça. Já imaginaram levar uma tijolada daquelas?

CAIXA ECONÔMICA, FUTEBOL E COLÉGIO BRASIL

A primeira agência da Caixa Econômica Federal foi instalada em nossa terra e dentre os funcionários o Belo que congregou os meninos e formou o Rio Branco Futebol Clube. 

Fizemos diversos jogos com outros clubes infantis. Eu jogava em qualquer posição, mas a que mais me agradava era o gol. Fiquei sendo o goleiro oficial do time. Um dia fomos convidados para treinar com a equipe do Colégio Brasil. Lá fomos nós. Já estávamos numa faixa etária de 13 a 14 anos e não nos intimidávamos com o treino com os atletas do Colégio Brasil.

Neste dia apareceu um elemento novo na nossa equipe. O Zé da Rocha ou Zé Groteiro, que estava todo equipado para a competição. Chuteira novinha e toda travada, tornozeleiras, meias de futebol, calção preto com auréolas brancas nas pernas e um gorro jogado do lado. 

Dr Raul sugeriu que deveríamos treinar misturados e de começo perguntou qual a posição que o Zé Rocha jogava. "Eu jogo em qualquer posição do ataque", respondeu. "Então você vai jogar na meia, ao meu lado", disse o doutor.

Ele jogava de camisa social, calças compridas e sapato de verniz e estava sempre em posição de impedimento, que o juiz não podia marcar. Olhou-me e me mandou jogar no gol, contra ele. Depois de formados os times o treino começou.

Em um dado momento ele mandou que o seu companheiro passesse a bola para o Zé. A bola veio e o Zé foi passar para o doutor, mas a bola passou e o Zé errou o chute.

Novos lances se repetiram e a bola teimava em pular por cima dos pés do Zé. O doutor espumava de raiva, até que não aguentando mais gritou: " Fora de campo seu paralítico". 

O time foi reorganizado e um atacante passou a bola para o Doutor impedido. Ele parou a bola deu uma bicuda e eu encaixei a bola. Os lances se repetiram e aí o doutor mandou-me para defender o gol dele e chamou o Boi, que era aluno do Colégio. Daí para frente o doutro fez diversos gols no Boi que propositadamente deixava passar a bola.

RAIMUNDINHO E SUAS ARMAÇÕES

Na  zona de meretrício tinha um bar e restaurante que era o destaque para os frequentadores. O seu proprietário Raimundinho era muito popular e tinha uma tradição. No Sábado de Aleluia fazia uma ceia com o produto de roubos de animais na noite de Sexta Feira Santa e com a presença dos donos dos animais roubados.

Numa Semana Santa Raimundinho estava preocupado, pois só tinha um pato e um peru. Já era quinta feira e não lhe ocorria onde ir furtar uma leitoa para fazê-la assada inteira e alguns frangos também.

À noite apareceu em seu restaurante um fazendeiro ali do Peitudo, o Sr. Beligne. Ele trouxera a família para passar a Semana Santa e lá na fazenda, ficara somente o capataz e os colonos.

Era um tipo característico, baixo, gordinho com voz esganiçada e pronúncia tendendo para o italiano e acaipirado.

Ouro Fino possuía um serviço de telefones municipal, e para não falir o sistema todas as famílias de recurso e os fazendeiros deviam ser assinantes.

Raimundinho teve a resposta para o seu problema. Na Sexta feira ligou para a fazenda, lá no Peitudo e imitando a voz do Beligne falou com o capataz ordenando que pegasse a leitoa branco e preta e seis galotes (garrotes ou galinhas - não consegui entender a letra) e deixasse amarrados que o Raimundinho iria pegá-los.

Não deu outra. Os animais estavam amarrados e foi só chegar, agradecer e voltar para o restaurante para prepará-los para o Sábado de Aleluia.

No Sábado de Aleluia procurou o Sr. Beligne e fez o convite para tomar parte da ceia. O convidado agradeceu muito e prometeu pagar as bebidas que rolassem na ceia.

Foi um festão e o Beligne honrou a palavra e pagou as caipirinhas, as cervejas e os vinhos da ceia.

Na segunda feira, chegando na fazenda dele o capataz lhe perguntou se a encomenda tinha chegado bem. Foi aí que viu a esparrela que caíra com o Raimundinho.

*Sobre o Beligne, Romel Mirnda Ribeiro, me procurou para dizer de sua suspeita de que Beligne citado por meu pai seja o Sr. Astiage Beligne (pai do Edmundo Beligne, proprietário da Casa Nova Materiais de Construção). Isto porque ele era proprietário de uma fazenda muito grande na estrada que dá acesso ao Peitudo.

Uma vez o Raimundinho procurou o Sr. Joaquim Chavasco  -um cidadão cheio de passes e propôs um negócio. Ele comprava um carro novo e o Raimundinho pegava a viagem para as cidades vizinhas e o dinheiro era dele, o Chavasco em troca de uma comissão. O carro ficaria na casa do Chavasco. Ele só pegaria o carro depois de combinado o preço da corrida. O Chavasco achou ótima a ideia e a sociedade foi feita.

O acordo estava dando certo e o lucro fluía em abundância. Um dia alguns amigos convidaram o Raimundinho para uma farra em Pouso Alegre. Um ajudante do restaurante foi enviado a casa do Chavasco que naquela tarde teria uma viagem para Pouso Alegre. 

Estranhando a hora da viagem, o Chavasco mandou o empregado de volta avisando que o carro não faria a viagem. Quando o moço sai pelo portão foi chamado de volta e o Chavasco disse:_"Avise o Raimundinho que o meu anus não é garagem".

CYRO CARPENTIERI - UM HOMEM GOZADOR!

A Farmácia Nossa Senhora do Rosário, do Cyro Carpentieri era o ponto de reuniões dos amigos para os mais variados assuntos e comentários. Fazia parte desse grupo um senhor, dono de uma alfaiataria com diversos oficiais em costura, mas que viviam em constantes disputas pelos seus ordenados. Isso se passava porque quando recebia o pagamento de algum freguês, ele corria ao Éden Clube para apostar na Pavuna onde tentava a sorte. 

Perdia todo o dinheiro e não podia pagar as suas dívidas, apesar das constantes cobranças do comércio e de seus empregados. Por sua sorte um cunhado seu, bem situado no comércio pagava suas dívidas. O Cyro Carpentieri, seu amigo, era um homem de poucas palavras, muito bom, mas no íntimo era um gozador e vinha pensando numa maneira de pregar uma peça no amigo alfaiate. 

Um dia, passou pela sua farmácia o João Fogueteiro. Foi então que explodiu no cérebro fértil de Cyro a concretização de sua peça e perguntou ao João Fogueteiro se ele tinha muitos foguetes na fábrica dele. _"Sim, respondeu. Sr Cyro, eu tenho lá umas 20 dúzias de foguetes prontos". _"Eu compro todos os foguetes", retrucou Cyro. _"E arranje mais mais uns três ajudantes. Faça o seguinte (...)" continuou Cyro como seu plano.

Depois num sábado, depois que a loteria federal correu, ali pelas cinco horas da tarde, começou um foguetório na porta da casa do alfaiate. O povo todo correu para a casa dele para saber o que estava acontecendo. O fogueteiro informou ao povo que o homem tinha ganhado o primeiro prêmio da loteria. Terminado o foguetório, formou-se uma fila de credores na porta do coitado e ele teve de fugir de Ouro Fino. Passou seis meses longe da cidade.

Numa certa época instalou-se em Ouro Fino uma família de russos, fugidos da revolução comunista da Rússia. Eram os Beiders. Compraram um barracão velho em frente a farmácia N.S. do Rosário e montaram uma fábrica de móveis. 

Em pouco tempo a fábrica progrediu, indo de vento em poupa e o povo local integrou esta família. Eles tinham um filho de uns 30 anos, trabalhador mais um pouco abobado. Em pouco tempo ele começou a comparecer nas reuniões dos homens mais importantes da cidade, ali na farmácia.

O Ciro Carpentieri sofria de bronquite asmática e pelo lado de dentro da grade a farmácia ficava enconstada nas prateleiras e cheirava a fumaça de uma erva chamada Pó Indiano que lhe dava alívio na falta de ar e também chupava umas balas de hortelã pimenta que ele carregava os bolsos (sempre cheios).

Um dia o Arturzinho Beider percebeu que o Ciro estava chupando as balas e pediu uma. Chupou. Depois de pouco minutos pediu outra e assim chupou diversas. Isto contínuo por dias e o Ciro já estava aborrecido com o seu sócio nas balas. 

Um dia apareceu um viajante de produtos farmacêutico e entre os preparados uma novidade: bombons purgativos para crianças difíceis.

Imediatamente comprou umas duas caixas e ficou na espera. Quaqndo os bombons chegaram, ele mandou o empregado da farmácia numa papelaria comprar uma folha de estanho outra de papel de seda.  Embrulhou os purgativos em papel estanho e papel de seda e colocou alguns no bolso e no outro bolso bombons comuns. 

Quando Arturzinho chegou para ouvir as conversas e olhava para ele para Ciro, ele tirou um bombom e começou a comê-lo. O Arturzinho pediu um e o Ciro lhe deu um purgativo. E foi comendo um purgativo atrás do outro.

Ali pelas três horas da madrugada o Ciro acordou com pancadas violentas na porta e uma gritaria. Era o Arturzinho desesperado e xingando o Ciro de "desgraçado, o que você fez comigo? Estou com uma caganeira e passei a noite na privada".

Depois deste episódio, nunca mais o Arturzinho pediu bala ou bombons para o Ciro, que se viu livre do sócio e filância das balas.
(ainda escrevendo).

CARNAVAIS:
(  http://tvculturaourofino.com.br/video.php?vid=50 - MOSTRA OS CARNAVAIS FILMADOS POR ARTHUR -VÍDEO  )

Os carnavais da década de 20 em Ouro Fino ficaram inesquecíveis em minha memória por duas razões: uma porque meu pai participava muito e outra pela beleza dos corsos e dos desfiles de carros alegóricos.

Os carnavais constavam de três partes: O corso durante as tardes, os blocos desfilando na Rua Treze e mais tarde o baile no salão do Cinema Éden.

O corso começava pelas 17h e seguia até às 19 ou 20 horas. As famílias depois da capota de lona dos carros serem rebaixaas para parte traseira, era coberta de grude de polvilho ou de cola dos confetes de todas as cores. As rodas e os parachoques depois dos confetes colados recebiam flores feitas de papel crepom. 

Entre o banco traseiro e o dianteiro ficavam umas caixas cheias de pacotes de serpentinas e um saco de estopa cheiro de confetes. Os participantes jogavam serpentinas um nos outros e as serpentinas formavam um rio ondulado.

Nas esquinas ficavam diversos carroças de lixo e quando passava o último carro do corso eles varriam as ruas e enchiam as carroças que seguiam para fora da cidade.

Se isto não fosse feito as serpentinas enrolavam nos eixos das rodas e os carros não andavam mais e também as rodas deslizavam por sobre as serpentinas e alguns até batiam na sarjeta, correndo o risco de machucar a assistência ou os participantes dos carros.

O povo nas ruas jogavam serpentinas e confetes nos participantes e também espirravam lança perfumes. Os carros alegóricos eram os que representavam aviões, navios e cisnes cheios de foliões. Os carros de crítica mexiam com as autoridades e os maus serviços prestados à população.

Na esquina da Rua Treze com a Rua Júlio Brandão ficava uma banda de música executando marchinhas de carnaval e em frente da loja do Sr Euclides fica outra banda de música.

A noite, na Rua Treze de Maio, os blocos carnavalescos faziam evoluções e cantavam marchinhas do ano. Às 23 horas  era o baile carnavalesco. O salão de baile era onde é hoje as Casa Primavera e era patrocinado por assinatura dos foliões ourofinenses. 

O salão era ornamentado com máscaras e pinturas com fundo carnavalesco. A orquestra ficava em palanques também trabalhados. Teve um ano em que a orquestra ficou em dois lances de escadas, uma de cada lado. Cada músico ficava num degrau da escada. O baterista no topo, quase encostado no forro. O baile só terminava quando o dia clareava.

O carnaval de Ouro Fino era conhecido em toda a região. Vinham pessoas de fora, até da capital de São Paulo para assistir os nossos festejos.



OURO FINO, SEPARAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E ITALIANOS E O TEATRO MUNICIPAL

Ouro Fino começou na parte alta da cidade e só cresceu na parte baixa com a construção da estada de ferro e a chegada dos imigrantes italianos. Havia uma separação entre brasileiros e italianos. Na parte alta ficavam os brasileiros e na parte baixa, na região da estação da Rede Mineira de estrada de ferro, os italianos.

Onde está a estação rodoviária ficava a cadeia velha, um prédio assombrado e também a delegacia de polícia. Na esquina da parte superior a esquerda o hospital e do lado direito da praça o velho teatro municipal, um prédio de paredes largas de até 50 anos e onde no tempo do império realizaram-se memoráveis festas teatrais.

Quando criança ainda assisti diversas festas escolares e peças de teatro amador lá. Lembro-me de uma festa do Grupo Escolar Coronel Paiva em que meu irmão mais velho, o Clayton participou de uma apresentação como artista. 

Outra vez, num teatro amador, meu tio Antônio Moises Abbud, um libanês alto e muito forte e que sempre cooperava com os artistas amadores, fazia demonstrações nos teatro. Naquele dia seria a última vez a se apresentar no Teatro Municipal. Ao levantar um peso muito grande soltou um vento muito alto e envergonhado largou tudo e foi embora. Nunca mais quis saber de teatro.

A medida que os italianos prosperavam na parte baixa da cidade os brasileiros foram mudando para a parte baixa. O mercado municipal foi construído no começo do século num terreno que servia para armação do pavilhão de circos (hoje o Centro Cultural), a Santa Casa foi construída na saída para Monte Sião.

Dentre os alunos do Colégio Brasil, na terceira série ginasial, o Acácio Paulini me impressionou profundamente. Eu iniciava os estudos ginasiais e o Acácio já estava na terceira série. 

Era um menino forte, alto e tomava parte em todas as atividades da escola, inclusive o assalto ao pomar do Alcino Bretas. Nós apertávamos o cinto das calças e puxávamos a camisa um pouco para fora. Isto feito, ela transformava em um saco, onde íamos colocando as frutas apanhadas. Depois era só comê-las nos degraus do aterro do campo de futebol.  Hoje a Escola Estadual Francisco Ribeiro da Fonseca - Escola Normal - está construída sobre este campo.

O que impressionava no Acácio era que depois de estar com o estômago cheio de sucos e frutas, metia o dedo na garganta e expelia tudo. Ele ainda voltava a chupar e a comer novamente. Nós ficávamos admirados com o seu procedimento e ele rindo dizia gostar somente do sabor das frutas.

Há poucos dias comentando com ele sobre aquela época e o que ele fazia, para minha surpresa, sorrindo, afirmou que ainda prodia desta maneira com tudo que ingeria. Causa louca, não?

......

FESTA DE CRISÓLIA OU PIEDADE

Outro evento muito concorrido e comentado na região era a festa de Nossa Senhora da Piedade no Distrito de Crisólia. Era uma novena e o povo prestigiava demais os festejos. A festa atraía os moradores desta região e do Estado de São Paulo. Compareciam também uma infinidade de ambulantes. Vendedores e suas quinquilharias vinham de toda parte. 

Outra classe que aparecia durante a novena da Santa era dos jogadores. Barraquinhas de toda classe de jogos: roletas, visporas, argolas, dados, tiro ao alvo, búzios etc. Os prêmios eram coisas de pouco valor. As noites eram animadas pela jogatina desenfreada regada a cerveja, leitoas e frangos assados. As pessoas  importantes participavam dos leilões e dos comes e bebes, e porque não da jogatina que corria livre.

Meu pai tinha uma drogaria na entrada da praça, num casarão. Nos dias de festa nossa família ficava no casarão. A tarde, depois do leilão de prendas, vinha a procissão da padroeira do povoado e no final um foguetório infernal. Ai começa um reboliço muito grande para voltar a cidade. A noite ainda ficavam os retardatários bebendo e para comer os assados.

No encerramento da festa, Ouro Fino ficava deserta. O povo de Ouro Fino se deslocava desde a parte da manhã, usando o mais variado sistema de transportes: caminhões com bancos de tábuas atravessadas na carroceria, automóveis particulares e de aluguéis, e uma parte de promessa, das graças alcançadas, que iam a pé. Neste dia tinha o leilão de gado e pelas 16h a procissão da Padroeira do Distrito. 

Depois disto era uma correria infernal para conseguir transporte para retornar a cidade. Caminhões com motoristas que cobravam 200 réis, ônibus que eram denominados de Jardineiras, automóveis particulares e de aluguéis, cavaleiros e os penitentes que voltavam novamente a pé, felizes por terem cumpridas as promessas. Mas muitos permaneciam na festa no Distrito até altas horas para aproveitar a jogatina e os assados.

Os rapazes principalmente os da roça, compravam umas bolinhas de serragens e enroladas em papel de seda com um cordão de elástico fino presos a elas, jogavam as bolinhas nas costas das caboclinhas e quando elas passavam olhavam para trás, eles fingiam que não eram eles e depois caiam na risada.

Esta festa começou a perder o seu brilho com o advento do cinema falado e depois das rádios que começavam a apresentar programas variados e rádio-teatro. O monsenhor Teófilo Guimarães também proibiu a jogatina e com isto a festa foi esfriando e hoje é menor.

Quinze dias depois da festa de Crisólia tínhamos outra festa religiosa, não com tanto brilho, mas também muito concorrida. Era a festa da Capelinha.

FESTAS JUNINAS

Quando chegavam as festas juninas do meu tempo de criança os folguedos eram alegres e típicos. Naquele tempo as famílias cozinhavam no fogão a lenha  e nós crianças fazíamos fogueiras juninas em plena rua,  já que não existiam tantos carros e caminhões.

A fogueira mais viçosa atraia mais os moleques. Os folguedos começavam pelas 16h e iam até a meia noite. Minha mãe fazia sempre broinhas, biscoitos e pasteizinhos. Também fazia chocolate espumante ao leite para os meninos e para os mais velhos o famoso quentão (pinga com chá de gengibre e açucar - servido bem quente). 

 Os fogos eram diversificados e os fogueteiros faziam uma variedade muito grande: 

O pistolão era um tubo de papelão com uma cabeça de fósforo numa ponta e a outra amassada. A gente colocava fogo no fósforo e segurava na outra ponta. Quando começava o chuvisco de faísca de fogo começavam a lançar para o ar bombas e chuva de prata colorida;

As estrelinhas que constavam de um fio de dez centímetros e que segurávamos em uma ponta e fogo na outra. Surgiam os estalos e eram lançados no ar miríades de estrelas;

O traque ou peido de velha era uma tira de papel com diversas bolhas de pólvora. A gente rasgava um pedaço e depois esfregava na parede até acender a pólvora. Ai ela começava a explodir até acabar a bolha;

Rodinha era um círculo de papelão com um tubo de papel cheio de pólvora que era colado na periferia da rodela de papelão e terminava em um pavio. A gente marcava o centro da rodela e passava um prego e fazia a rodinha rolar livremente. Depois pregava a rodinha em um portal ou parede e tacava fogo. Era só acender o pavio e esperar o fogo atingir a pólvora. Ai a rodinha começava a girar com uma velocidade enorme e lançava fagulhas no ar. Era lindo de se ver!;

Bombinhas. Tinha também uma caixinha cheia de bombinhas. Constava de um tubinho de papel de uns dois centímetros tendo uma ponta comprida de fósforo e a outra amassada para segurar. Era cheia de pólvora. Esta servia para medir a valentia da criança. A medrosa riscava o fósforo e jogava a bombinha longe, além de tampar os ouvidos, esperando o estouro. O corajoso só riscava o fósforo e segurava a ponta amassada com a ponta dos dedos e virava o rosto para trás , esperando o estouro;

A bomba era uma bolota de papel encerado e amarrada com barbante grosso também encerado, tendo um pavio comprido e uma ponta amassada. Esta bomba moleque nenhum tinha coragem de segurar nos dedos. Era cheia de pólvora. Nós inventamos uma utilidade: durante semanas juntávamos latinhas de massa de tomate vazias e colocávamos uma latinha cobrindo uma bomba e de longe esperávamos o estouro. No estouro a latinha era lançada a uns metros de distância e uns trinta centímetros de altura. Depois de usar a latinha em dois ou três estouros, ela ficava toda estufada e rachada;

O foguetinho com e sem bomba era um tubo de papelão cheio de pólvora e com um pavio numa ponta e uma vareta de bambu presa fortemente no tubo do foguete. A gente acendia o pavio e quando a pólvora começava a queimar a gente arremessava para cima e o foguete subia velozmente e explodia;

O busca pé era o mesmo foguetinho sem a vareta. Era o desmancha roda. Quando a gente encontrava uma roda de moleques era só jogar um busca pé no meio da roda e "pernas para que te quero". O foguete virava um corisco. Girava no ar, vinha para um lado e ia para outro rapidamente, sem direção fixa e os moleques se dispersavam. Corriam para todos os lados. Depois disto se eles nos pegassem, ai que surra!;

Chumbinhos eram bombinhas na forma de chumbo grosso e que explodiam quando eram pisadas. A gente espalhava o chumbinho numa calçada e de longe ficava observando. Quando alguém passava no local e pisava num chumbinho, dava-se um estouro e o indivíduo assustava e dava um pulo. Aí pisava noutro chumbinho e assim sucessivamente e até que ele caia de costas. A gente morria de rir com a cena!;

Fileira ou Bateria constava de dois ou mais fileiras de bomba ligadas a um longo pavio. Aceso o pavio as bombas potentes estouravam num barulho infernal e pulava como corisco. Era extremamente perigosa;

E a bomba de parede era uma bomba que ao ser arremessada contra uma parede estourava violentamente ou quando sofria um impacto também estourava. A gente esperava um transeunte  perto de um muro ou uma parede lisa. Quando ele passava nós arremessávamos as bombas na parede e a pessoa ficava desnorteada. Depois era só fugir para não ser apanhado.

O Rui Ferreira ou Rui Bailoni contava que lá na Borda da Mata ele amarrava estas bombas no batente daquelas porteiras que fechavam depois que alguém passava por ela. Se algum cavaleiro passava sem descer do cavalo e largava a porteira, ela vinha "chorando" e batia com força no moirão. A bomba estourava e o cavalo levava um susto e lançava o cavaleiro fora da sela. O Rui ficava de longe e morria de rir!

Lembro-me de uma festa junina que me deixou profundamente impressionado. Foi no ano de 1929, quando eu tinha entre 7 e 8 anos. O sr. Joaquim de Barros deu esta festa na fazenda dele na Limeira. O povo ourofinense foi quase em massa. Meu pai possuia um carro da marca Rugby Overland e levou toda a família na festança.

 A fazenda estava toda ornamentada com bandeirolas multicoloridas de papel de seda, lanternas chinesas acesas e no terreiro de frente de uma fogueira de toras de lenha de uns dez metros de altura. No centro um poste da mesma altura todo revestido de papel de seda. Uma capela no alto do morro com uma estrada ornada de bambus amarrados na ponta, formando uma cúpula toda ornamentada por bandeirinhas de papel de seda e lanternas chinesas. 

Quando terminou a reza  na capelinha, no soar  do sino e do foguetório um foguete foi aceso e veio por um fio até a fogueira e ateou fogo no rastilho de pólvora do tronco e veio acendendo o papel de seda que o envolvia até a base da fogueira. Este num momento de magia se incendiou. Os presentes começaram a cantar e dançar as canções juninas numa alegria sem par! Este espetáculo ficou gravado em minha memória como uma das festas mais bonitas em toda minha vida!

FESTAS JUNINAS DAS PARÓQUIAS

As festas juninas das paróquias também eram muito concorridas e bonitas. Eram diferentes das que hoje a igreja faz. Atualmente elas não passam de um barracão, como se fossem um bazar, onde servem bebidas e joga-se bingo. 

As festas eram feitas em uma praça onde eram construídas barracas de eucaliptos e sapê  nos quatro cantos da praça e num ponto estratégico ficava a barrada da banda musical que executava os seus dobrados e as músicas da época. 

Não existiam ainda o rádio e o alto falante. No centro da praça uma barraca maior em nível mais elevado, ficavam as prendas que eram oferecidas pelos leiloeiros àqueles que ali iam arrematar. Ficavam também os festeiros que eram escolhidos pelo pároco para cada ano.

As famílias compareciam em massa e durante o leilão de prendas arrematavam cartuchos, roscas rainhas, quartos de leitoas e frangos assados. Havia também a gentileza de uma família arrematar uma prenda e oferecer a outra família amiga.

As moças solteiras faziam o futingue em torno da barraca central em grupo de duas, três ou quatro e os rapazes ficavam parados escolhendo as que seriam suas namoradas. Havia o "correio elegante" que era um bilhete anônimo que um rapaz ou moça comprava nas barracas e um mensageiro ia entregar, mas que não podiam dar o nome do arremetente. A pessoa tinha que adivinhar o remetente. Às vezes aconteciam casos muito engraçados de erro de identidade.

As barracas eram ocupadas ou tocadas por famílias de diversos ramos de atividades da sociedade ourofinense e essas famílias faziam o máximo para que sua barraca fosse a mais concorrida e desse a maior renda para a igreja.

Para isto elas fritavam pasteis, coxinhas, assavam empadinhas, empadões, diversas variedades de tortas, leitoas e frangos assados e muitas outras quitutes aos apreciadores de pratos e doces gostosos.

Em 1951 ou 52 o doutor Krizanto de Avelar Muniz, dona Laura Paulini, o João Carpentieri e Kerannez Leal Carpentieri foram nomeados festeiros de São Benedito. Foi a festa mais bonita e concorrida daqueles tempos e pela primeira vez apareceu a barraca do "bingo". Foi um sucesso e se tornou tradição até hoje!



CINEMA MUDO

Na época do cinema mudo Ouro Fino tinha dois cinemas. O cine Ideal e o Cine Éden. Os filmes tinham fundo musical: Num cinema quem arrumava o desenvolvimento da película era a professora dona Rute Loyola Brandão e no outro, era uma dupla formada pela Dolores Honório da Silva, pianista e Nhô Garcia, violinista. 

CINE IDEAL

A execução de dona Rute era característica. Na hora que abria a bilheteria, eles ligavam uma campainha forte na porta do cinema. Às 20h10 a campainha era desligada e uma sirene forte começava. Quando parava a sirene na sala da projeção era ligada outra campainha, o aviso para que a pianista assumisse o seu posto embaixo da tela. 

Dona Rute que se encontrava sentada no meio da sala, se levantava toda sorridente, cumprimentava a toda a plateia e sob uma salva de palmas se encaminhava em direção ao piano e executava uma peça musical, geralmente um marcha triunfal. Ao terminar a peça musical o povo aplaudia novamente e dona Rute se levantava sorridente para agradecer a todos e depois o filme começava. 

A música sempre acompanhava o desenrolar do filme. Se era de cowboy, tocava uma marcha. Quando tinha galope de cavalos, tiroteios ou lutas, outra marcha.


Se a cena mostrava o galã e a heroína apaixonados, a música era romântica e suave; se um deles estava mal de saúde, lá vinha uma música fúnebre e assim por diante.


CINE ÉDEN

O Cine Éden estava localizado na esquina da rua Treze de Maio e a Sebastião Pires e ainda existia a escadaria antiga no prédio. Na entrada do portão de ferro, ficava uma janelinha na parede, onde o Sr. Benedito Sobrinho vendia as entradas. Ao subir as escadas, no seu patamar uma porta, onde os senhores Sebastião de Almeida e Benedito de Almeida eram os porteiros e mais para frente outra porta que servia de saída.

Na esquina da Rua Treze e Sebastião Pires, na quina da parede, existia uma portinha e uma escada de madeira íngreme que dava acesso as gerais e cabine de projeção.

Naquela segunda porta que servia de saída, nós moleques conseguíamos fazer uma fresta na porta por onde assistíamos os filmes. Mas este processo era difícil e cansativo, além de gerar brigas entre os outros moleques. E ai vinha o Sebastião de Almeida espantar-nos. 

Aí eu inventei um meio de penetrar no salão do cinema. Como não existia  outra diversão na cidade, as famílias iam em bloco às sessões de cinema. Quando chegavam aquelas famílias amigas e paravam na porta fazendo grupos, eu me agarrava no meio deles e penetrava no salão. Conseguia com esta manobra assistir os filmes sentadinho numa cadeira, mas às vezes era apanhado furando mel e era posto para fora. O processo de furar mel se repetia, até que eles desistiam de me retirar do interior do cinema.

O cinema era mudo e as legendas seguiam em esquema que para nós, era normal. Durante a conversação quando um artista falava a imagem era cortada e aparecia um quadro com a legenda e em seguida voltava a imagem. 


                                                                               Rodolfo Valentino tributo video


Os galãs daquela época que se destacavam eram Rodolfo Valentino, Ramon Navarro, John Barrymori e as mocinhas Pola Negri, 

Clara Bow
                                                                        Clara Gordon Bow

Clara Gordon Bow, Marlene Dietrich, a divina Greta Garbo. 

Os cowboys eram Ton Mix, Buck Jones, Kem Maynardi, Oto Gibson etc. Já os cômicos Harold Lloyd, o Gordo e o Magro, Buster Keaton, os Irmãos Max, Charlie Chapin entre outros. 

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Ná década de 30 o cinema sofreu um avanço. Chegava o cinema sonoro, que consistia de discos gravados seguindo o desenrolar dos filmes. Este processo provou ser inadequado, porque ao passar pelos diversos cinemas do interior arrebentavam diversos quadrinhos e na colagem dava-se o desencontro dos diálogos e fundos musicais. 

Em 1937 o primeiro filme falado foi um musical com Eddie Cantor, que foi um sucesso internacional. Dai em diante o cinema teve um crescimento muito grande como se vê atualmente.
 


EMPRESA CINEMATOGRÁFICA SANTA CRUZ

Esta era a firma cinematográfica de meu inesquecível pai. Era uma sociedade criada no começo da década de 20 formada pelos amigos de então que constavam dos senhores José Jesuíno de Carvalho, o Zequinha; Antônio Milward de Azevedo, o Azevedão, Dr Miranda Neto e meu pai, Arthur Leal. A empresa tinha como auxiliares os senhores Cyro Carpentieri e o Dr Brasílio Carpentieri, meu tio e primo respectivamente.

As dificuldades naquela época eram grandes. Basta dizer que para revelarem os filmes usados, tinha-se que enviar para Paris (França) e meu pai fazia as encomendas de quatro cópias. Uma para cada sócio da empresa.

Hoje muitos indivíduos possuem cópias destes filmes que na verdade foram desviados de seus proprietários e que não foram devolvidos.

Hoje me orgulho ainda mais de meu pai porque colocaram-no no rol dos cineastas pioneiros do Brasil.

Filmes que me lembro e foram feitos por meu pai:

1. Carnavais de Ouro Fino (de 1924 a 1926)

2. Soldados vindos da Revolução.

3. Visita de Antônio Carlos - Presidente do Estado de Minas Gerais a Ouro Fino.

4. Participantes do Pacto do Café com Leite em reunião em Ouro Fino.

5. Senhorinhas da Sociedade de Ouro Fino.

6. Famílias de Ouro Fino.

7. Saída da missa

8. Corpo docente do Colégio Brasil e Escola de Farmácia e Odontologia. 

(Estes acima feitos na década de 20)

9. Campanha à presidência do Brasil Juscelino Kubstichek

10. Visita da Escola de Comércio de Itapira a Ouro Fino

11. Caçadas em Mato Grosso e Rio Paraná.

12. Festival do Índio Bororó no Pantanal.

(estes últimos na década de 40 e 50).


LINK PARA ASSISTIR AO VÍDEO DOCUMENTÁRIO FEITO PELA TURMA DE JORNALISMO DA PUCCAMP 1991 SOBRE A PROJEÇÃO DE ARTHUR  LEAL.